Gilio Brunelli, ex-Diretor do Departamento de Programas Internacionais da Desenvolvimento e Paz* (Canadá) e envolvido na Fórum Social Mundial (FSM) desde o início, compartilha conosco suas reflexões sobre o Fórum e suas conquistas em um momento de dificuldade. Segundo ele, se uma coisa é certa: graças ao FSM podemos acreditar que 'outro mundo é possível' e reunir ativistas de todo o mundo.
Criado como um contra-evento ao 'Fórum Econômico Mundial' que há anos é realizado no final de janeiro em Davos, o Fórum Social Mundial foi instalado em Porto Alegre, Brasil, em 2001. Alguns líderes da sociedade civil brasileira entenderam muito bem que o mundo moldado em Davos pelos líderes econômicos e políticos mundiais era o mundo neoliberal do lucro, o mundo dos privilegiados, o mundo dos 1% que continua a excluir os outros 99%. Mas esses líderes brasileiros também sabiam que em nenhum lugar estava escrito que o mundo tinha que ser neoliberal e capitalista. Em vez disso, pensaram que era necessário se unir para formar um mundo onde todos tivessem seu lugar com respeito e dignidade, e compartilharam a convicção de que esse outro mundo não era apenas uma das muitas utopias da história, mas era possível. Assim, o slogan 'Outro mundo é possível' descreve muito bem sua visão e programa.
Desde o seu início, o FSM tem sido um espaço democrático de encontro e diálogo para movimentos, organizações sociais, associações populares, organizações da sociedade civil, grupos comunitários organizados e todos os anticapitalistas e alter-globalistas do planeta. O FSM foi concebido como uma enorme tenda de circo em constante expansão, sob a qual se desenrolou um processo coletivo de resistência e alternativas, mobilização e luta, tendo a convergência, as alianças e o trabalho em rede como principais instrumentos. Pouco depois, ficou claro que não bastavam resistências e lutas e que era preciso propor e transformar.
Foi preciso coragem, até ousadia, imaginar que organizações de todo o mundo aceitariam o convite para vir a Porto Alegre discutir um assunto tão inspirador quanto nebuloso: a possibilidade de construir outro mundo, melhor desta vez.
Mas a aposta deu certo, o que não só demonstra a credibilidade e o poder de convocação dos primeiros líderes, mas também revela a necessidade dos movimentos globais de justiça social se conhecerem, se falarem, se consultarem. Lembremos que em 2001 as redes sociais ainda estavam engatinhando, que muitas plataformas nem existiam e que o email era a ferramenta mais eficiente de comunicação internacional.
Tecnologia à parte, o significado profundo do primeiro encontro de Porto Alegre não é que representou uma alternativa a Davos, mas que a solidariedade internacional é possível, que é possível às organizações progressistas deixarem de lado suas querelas e lutas internas - uma arte na qual ultrapassam de longe as organizações dos grupos dominantes - para se unirem em torno de uma análise comum: o mundo não está bem, e uma visão comum: outro mundo deve ser construído! Foi a primeira vez na história humana recente.
A necessidade de uma forte solidariedade internacional continua muito importante e esta é provavelmente a principal justificativa para a existência do FSM hoje, porque, por outro lado, é preciso reconhecer que o FSM envelheceu mal.
Por um lado, o Conselho Internacional do FSM, que desde então tem a tarefa de garantir a continuidade do processo do Fórum, está dividido entre aqueles que querem manter o FSM como um espaço aberto e aqueles que querem usar este espaço para aproveitar posições específicas (contra o impeachment de Dilma Roussef, pelo boicote aos produtos israelenses etc.), o que por si só significaria estreitar esse espaço que, por sua própria natureza, deve ser aberto para existir. Há anos que estamos em uma situação de impasse.
Por outro lado, as possibilidades de mobilização e convergência em massa oferecidas pelas redes sociais desestabilizaram um pouco o FSM, cujos dirigentes estavam mais acostumados a trocas de e-mails e tomadas de decisões pesadas, há muito negociadas e sempre complicadas. As principais campanhas de denúncia e protesto que marcaram os últimos anos aconteceram sem o FSM. Na verdade, Occupy Wall Street, o movimento 99%, a Primavera Árabe, o Black Lives Matter, o #MeToo e até o movimento ambientalista mobilizou, demonstrou, denunciou, exigiu e propôs, e ocupou o espaço público e da mídia 'em paralelo' para o FSM. A cada reunião do Conselho Internacional do FSM, seus membros questionavam, com certo ciúme, a ausência do FSM na organização dessas campanhas; Eles se perguntaram por que os líderes desses movimentos não vieram nem para solicitar a participação do FSM nem se juntaram à sua grande tenda….
Hoje, esta questão é crucial para um movimento que quer ser aberto e unificador, e o complicado processo de (não) tomada de decisão pelo Conselho Internacional é em parte uma primeira resposta. Em qualquer caso, o surgimento desses movimentos é mais bem-vindo do que ter ciúme deles. Dito isso, deve-se reconhecer também que se um espaço amplo e aberto como o FSM não existisse e não continuasse existindo, essas campanhas / movimentos não teriam tido a importância global que tiveram e provavelmente continuariam sendo importantes sociais. fenômenos, embora localizados. É porque, ao longo dos anos, o FSM tem contribuído para construir redes de organizações e associações, para abrir canais de intercâmbio e comunicação, para aproximar lideranças da sociedade civil de todo o mundo, que lutas locais e questões específicas podem ser retransmitidas e com suporte em todo o mundo quase imediatamente sem usar a mídia tradicional.
O futuro do FSM consistirá, então, em retransmitir e divulgar as lutas e propostas que surgem de forma autônoma em todo o mundo? O futuro dirá, mas se for o caso, o FSM terá alcançado seu objetivo, pois será então exatamente aquele espaço, agora virtual, onde os proponentes de um mundo alternativo podem se consultar e forjar alianças para construir esse outro. mundo possível.
Foto da capa Gilio Brunelli (canto superior esquerdo) com delegados da CIDSE no Fórum Social Mundial 2018 no Brasil - Crédito: CIDSE.
* Em agosto de 2016, a organização canadense membro do CIDSE, Desenvolvimento e Paz, patrocinou o Fórum Social Mundial em Montreal e compartilhou sua experiência no FSM em um vídeo.
Leitura adicional:
"20 anos do Fórum Social Mundial, uma curta história CIDSE ” por Markus Brun, Chefe do Departamento de Cooperação Internacional da Fastenopfer (Suíça)