Ibase participou de conferência no Vaticano - CIDSE
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Ibase participou da conferência no Vaticano

Ibase participou da conferência no Vaticano

Artigo de Moema de Miranda, antropóloga e diretora do Ibase, que participou da conferência “Pessoas e Planeta Primeiro: o Curso do Imperativo de Mudar” como palestrante do painel de diálogo “Mudanças climáticas ou mudanças nas estruturas da injustiça?”. O artigo foi publicado pela primeira vez no Ibase site do Network Development Group.

Na América Latina, vivemos nos últimos anos em um processo intenso de criminalização dos movimentos, pastorais e organizações que lutam pela justiça social e ambiental. O número de lideranças indígenas assassinadas ou condenadas judicialmente, por exemplo, aumentou enormemente. São líderes que defendem seus territórios contra uma ação destrutiva do modelo que gera a morte, contra o qual o Papa se pronuncia nesta bela Encíclica. Chico Mendes e Irmã Dorothy são alguns dos mais reconhecidos mártires nesta guerra sem tréguas. São líderes, povos e organizações, além de defender seus territórios, suas culturas e modos de vida relacionados a profundidades alternativas para toda a sociedade, tais como propostas de Buen Viver, Suma Kamay, dos povos andinos! A Encíclica Laudado Si entra em emoção e fala contemplando e considerando estas vozes, que foram caladas, caluniadas, chamadas de "inimigas do progresso", acusadas de sonhadoras e irrealistas. “Des-isola”, aproxima e valoriza os que podem consumidos e muitas vezes nos sentido sós.

Uma articulação entre justiça social e ambiental é fundamental na Encíclica, explícita em diversos momentos, especialmente quando afirma que “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental ”(§139). Vale lembrar que Fórum Social Mundial de 2009, em Belém, onde mais de 150 mil ativistas, militantes e defensores dos direitos humanos e ambientais se reúnem, os povos indígenas da América dizem: vivemos não um somatório de crises (ambiental, financeira, social , etc), mas uma “crise civilizatória”!

Uma Encíclica não apenas como questões de justiça social e ambiental, que já é muito relevante. Ao denunciar que um Terra e os pobres são vítimas de um mesmo modelo, ensina que “tudo está estreitamente interligado no mundo (§16) ”! A defesa da justiça socioambiental é parte e se interliga com a necessidade de uma nova espiritualidade e cultura de religião religiosa e amorosa entre a humanidade, como outras espécies que compartilham conosco a vida e com a nossa casa comum. Casa que, como dizia São Francisco, tem um único Senhor. O senhorio de Deus abre uma porta para a nossa “fraternidade universal”. Rompe o isolamento a um presunçoso ou ser humano se condenar. A Encíclica reconhece que a Terra “fala”: ela se manifesta de infinitas formas. Negar voz da Terra é parte da estratégia de dominação que sempre chama a voz d @ s dominad@s: sejam como mulheres no sistema patriarcal, acusadas de sentimentos excessivamente racionais e pouco racionais; sejam os povos africanos e americanos, cuja “alma” foi negada pelos dominadores europeus. UMA tod @ s os que tiveram sua voz silenciada na luta por justiça social e ambiental, ou Papa “escuta”. Escuta, reconhece, valoriza: os movimentos ecologistas, sociais; os cientistas; os filósofos. Assim, valorize uma organização social em defesa de outras formas de relação econômica e social!

Finalmente, é essencial reconhecer, como disse Roberto Malvezzi, um dos líderes da Comissão Pastoral da Terra no Brasil, que é o primeiro documento de um Papa a mostrar uma visão sistêmica holística. A Encíclica rompe uma milenar dualista tradicional, herdada da cultura grega e reinterpretada por tantos pensadores cristãos: uma lógica das duas cidades, de um mundo imerso no pecado. Esta ruptura epistemológica tem um valor inestimável. Abre como portas para um diálogo - onde reconhecendo como diferenças - podemos ser respeitados e irmãos com culturas tradicionais, indígenas, quilombolas e outras, reconhecidas e valorizadas pelo Papa Francisco na Laudato Si!

A Encíclica é clara em relação à necessidade de alteração do “sistema” e não apenas a padrões individuais de comportamento: “É bem conhecida a impossibilidade de sustentar o nível atual de consumo dos países mais avançados e dos setores mais avançados da sociedade, onde ou hábito de desperdiçar e jogar para níveis elevados de audição ”(§ 27). Fala explicitamente da necessidade de "diminuir" o consumo e a responsabilidade dos países do Norte com uma crise socioambiental e o aquecimento global, bem como denunciar como "falsas soluções", implementadas por empresas e políticas. A isto tudo, aplaudimos com entusiasmo. Além disso, identifique uma necessidade de mudança nos padrões de desejo de consumo hegemônicos, que envolvem amplas parcelas das ameaças dos países “emergentes”. Repetimos muitas vezes que este padrão de consumo e desespero é, em si, incompatível com o sistema vivo da Terra. Torna-se urgente uma alternativa sistêmica. A Igreja assumindo este desafio, coloca um caminho, em diálogo com tod @ s, empenhada em construir alternativas profundas, baseada na ecologia integral.

Laudato Sí!!

Os obstáculos que enfrentam são, sem dúvida, muitos e de diferentes naturezas: econômicos, culturais, políticos e ideológicos.Nos últimos anos, um saldo de pagamentos da maioria dos países latino-americanos depende dos preços das empresas commodities produtos agrícolas e minerais nos mercados internacionais. Como Alberto Acosta, Eduardo Gudynas entre outros autores latino-americanos já indicados, o risco maior de aumentar as taxas de aumento dos níveis de extração e exportações, no momento de baixa de preços, garantir uma renda de quem depende. Os níveis de conflito nos territórios em que extração mineral e produtos agronegócios realizam um dos mais acirrados e programas mostram como reforma agrária ou demarcação de terras indígenas se tornam mais improváveis

No Brasil, começa a desenhar um programa de “ajuste fiscal” que pode ser ainda maior para transferir recursos para o sistema financeiro, fragilizando como as condições dos governos de políticas públicas participativas e de corte efetivamente alternativo. Os programas que garantem renda maior para parcelas mais favoráveis ​​à nossa população são riscos sérios.

O Papa alerta que soluções ligadas a maior privatização só podem degradar ainda mais como condições de vida da população bem como as condições ambientais. Mas também no Brasil houve ocorrências que demonstram uma possibilidade de adesão da população a novas práticas, coerentes com o espírito da Laudato Sí. Chamo atenção, por exemplo, para o Programa Um Milhão de Cisternas. Desenvolvido em toda a região do semiárido brasileiro a partir das pastorais sociais, dos grupos de base, do trabalho local, expressa uma nova consciência ecológica e social: a possibilidade exitosa de “convivência com o semiárido”. Esta perspectiva supera o “combate à seca” que marcou a realidade nacional por muitas décadas. Como imagens de nordestinos retirantes, a população morta de fome e sede, dos animais morrendo fez parte da realidade e do imaginário brasileiro por muitos anos. Canções, livros e peças de teatro popular denunciavam esta situação tão extrema. A partir de uma nova visão, com atuação nas bases, começou a se desenvolver um programa amplo de trabalho que tinha, promoção, cultura e políticas: aprender a conviver com o semiárido; construir pequenas cisternas descentralizadas, em lugar dos poços privatizados pelos “coronéis”. Desenvolver uma cultura de uso, re-uso e preservação da água; desenvolver a agricultura familiar ea criação de animais compatíveis com os níveis pluviométricos da região representou uma mudança profunda na realidade. Estas iniciativas-se política pública a partir de 2002. Como resultado, na grande seca de 2013 e 2014 não houve fome, nem mortes, nem migração.

Propostas alternativas sistêmicas para o mundo dominado pelo capital que podem surgir das mil flores que florescem apesar de resistir à ordem hegemônica. Espalhadas em diversos locais, estimuladas pela Igreja dos pobres, apoiadas por alguns políticos comprometidos, por ONGs, militantes, ambientalistas, cientistas. São práticas concretas de resistência aplicada por muitos e muitos povos indígenas, quilombolas, mas também em novas práticas culturais nas cidades, com jovens urbanos mais conscientes dos limites do planeta e mais abertos à re-conexão de tudo com tudo. Estas iniciativas e práticas, agora amparadas e apoiadas pelo Papa, que têm um potencial enorme de manter a esperança, fortalecer práticas sociais solidárias, gerar nova consciência. Ao serem reconhecidas, valorizadas, apoiadas podem contribuir firmemente para uma emergência de um mundo mais justo, mais prejudicial. Um mundo de justiça e paz.

Elas são, portanto, como respostas concretas, como vozes proféticas que clamam nos desertos, nas florestas, no agreste. Unindo às líderes como Papa Francisco, aos movimentos sociais alternativos, uma atuação de entidades internacionais anunciadas ou ao mundo novo que já existe!

caixas de som

Foto: Diálogo do painel “Mudanças climáticas ou mudanças nas estruturas de injustiça? ' na conferência “Pessoas e planeta em primeiro lugar: o imperativo de mudar o curso”. Na foto aparecem: Lorna Gold (moderadora), Ir. Cécile Renouard, Naomi Klein, Moema de Miranda. 

 

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